Homem passa mais de 50 anos por furtar alimentos do
vizinho no Rio
Nelson Leopoldo Filho, 77 anos, personifica a
prisão perpétua no Brasil. Ele é resumo vivo de um sistema falido que condena,
com carimbo oficial, homens e mulheres ao apodrecimento. Preso em 1955, aos 19
anos, por furtar alimentos da geladeira de um vizinho, envelheceu trancafiado
por mais de meio século em um leito prisional do Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, no Rio
de Janeiro. É parte de um Brasil enferrujado, que desconhece direitos
fundamentais estabelecidos na própria legislação e transforma manicômios
judiciários em eternos depósitos de gente. No segundo dia da série de
reportagens sobre a realidade dos loucos infratores no país, a história de
Nelson inquieta e indigna.
Não é necessário nem ler os documentos oficiais
sobre o paciente para medir o tamanho do absurdo. Basta olhar duas fotografias
anexadas ao dossiê: o Nelson jovem de 1955 e o velho com cabelos brancos ao
deixar o hospital, 52 anos depois, em 2007, para ser abrigado numa residência
terapêutica na cidade de Seropédica, no Rio de Janeiro. Pouco tempo depois de
ele ser preso, o vizinho até tentou retirar a queixa na delegacia. Era tarde.
Nelson já havia sido apresentado ao lugar em que passaria praticamente o resto
de sua vida. É história que corta e envergonha. Ao instaurarem o chamado
incidente de insanidade mental, os médicos constataram que ele tinha apenas um
retardo mental leve. Por isso, a Justiça determinou que cumprisse um ano de
medida de segurança. Nada disso ocorreu.
Só em 1973 um laudo técnico, assinado pelos
psiquiatras Paulo Marchon e Talvane Marins de Moraes, atestou que “o paciente
Nelson Leopoldo Filho não apresentava mais periculosidade”. No mesmo documento,
os dois médicos indicaram que as condições psíquicas dele “permitem ser
transferido para hospital-colônia em zona de regime não penitenciário”.
As assinaturas chegaram atrasadas. O tempo havia
passado. Nelson já não tinha mais nenhum laço familiar. Não poderia voltar para
casa, simplesmente porque ela não existia mais. Pior: não havia ninguém para
reclamar, para dizer “ele é meu parente.” E, sem ter para aonde ir, seu lar
continuou sendo a prisão. Durante boa parte do tempo no Heitor Carrilho, era
medicado à base de insulina, tratamento arcaico para “acalmar” o paciente. Os
prontuários médicos mostram doses e doses.
Perpétua
O coordenador de Saúde do Sistema Penitenciário do Rio
de Janeiro, Marcos Argolo, reconhece que muitos pacientes são condenados
praticamente à prisão perpétua. Relata que o transtorno mental pode ser
acentuado em razão do longo período confinado. “O
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